Você está aqui: Página Inicial / Perguntas Frequentes / As 10 Medidas autorizam o uso de prova obtida mediante tortura ou violação do domicílio?

As 10 Medidas autorizam o uso de prova obtida mediante tortura ou violação do domicílio?

Não há nenhuma previsão na proposta que autorize o uso de prova obtida mediante tortura.

O espírito da proposta é claro: a má-fé e as intenções criminosas são inadmissíveis na coleta de provas. Atos investigatórios praticados deliberadamente por meios ilícitos continuam sendo inaceitáveis no processo penal.

A sétima proposta tem por finalidade evitar brechas na lei que conduzem à anulação de grandes investigações com base numa teoria de provas ilícitas importada dos Estados Unidos pela metade. Isso tem provocado um desequilíbrio entre acusação e defesa.

A norma em vigor e a jurisprudência têm se valido apenas da parte da teoria americana que protege os direitos do réu, ignorando, solenemente, o complemento que protege os direitos da vítima e da sociedade.

Importantes investigações foram anuladas a partir dessa aplicação incompleta da teoria de nulidade de provas. Podemos citar, dentre outros, os seguintes casos: Operações Castelo de Areia, Boi Barrica, Pôr do Sol, Navalha, Poseidon, Dilúvio, White Martins e Diamante.

Essas anulações se deram por questões irrelevantes para o exercício do direito de defesa. Dessa forma, graves crimes de corrupção restaram impunes e chegou-se a cancelar a maior multa aplicada contra um cartel no país: de R$ 1,76 bilhão.

A solução proposta apenas equilibra a relação entre os direitos dos réus e os da vítima/sociedade, evitando a impunidade injustificada. Dizer, assim, que a proposta legitima a tortura para obtenção de prova seria o mesmo que aceitar que é possível a prática de tortura pelo Estado de boa-fé, o que é um evidente absurdo.

Nos Estados Unidos, país de onde importamos a teoria da prova ilícita, em casos como os acima mencionados, a solução teria sido completamente diferente: as provas teriam sido preservadas; os criminosos, punidos; e o dinheiro, recuperado. Esse procedimento inibe a corrupção e não atenta contra os direitos fundamentais do cidadão, pois como bem coloca a Suprema Corte norte-americana, o objetivo da exclusão das provas ilícitas (exclusionary rufe) é proteger o cidadão contra abusos do Estado, e não garantir a impunidade para corruptos.

Um famoso precedente norte-americano, US versus Leon (1984), traçou uma linha divisória entre abuso da polícia e erro da Justiça. De acordo com esse precedente, uma decisão judicial razoável, emitida por um juiz imparcial – a maior garantia dos direitos fundamentais do réu na investigação –, mesmo que venha a ser revisada, legitima a ação policial dela decorrente.

A revisão de decisões judiciais por instâncias superiores deve ser encarada como algo natural e próprio do sistema jurídico. A reversão não torna a decisão original "ilícita". Afinal, como diz o ditado, "cada cabeça, uma sentença". Existe bastante abertura na lei e na valoração das provas, o que acarreta conclusões judiciais diferentes, juridicamente possíveis, sobre uma mesma realidade.

Assim, em contextos nos quais tenha havido uma decisão judicial aparentemente legítima, excluir a prova não tem nenhuma finalidade útil, senão garantir a impunidade de criminosos.

A legitimação das provas pela boa-fé, em conclusão, não é uma invencionice nem serviria para legalizar atos de má-fé, como a tortura. A proposta tem origem num país que é berço da democracia mundial, da presunção da inocência e da proteção dos direitos individuais. Além disso, a medida busca restabelecer o equilíbrio de um sistema de ilicitudes manco, importado pela metade dos Estados Unidos, deixando uma brecha que derrubou uma série de operações que revelaram crimes que sangram o nosso país.